O Daniel Catarino é um jovem alentejano, que divide a sua residência entre Évora e o Cabeção, desde tenra idade apaixonado pela música e cuja paixão se desdobra por vários projectos a solo ou em grupo. Editou por algumas netlabels nacionais (Test Tube e MiMi Records) e faz parte da 'equipa' do Beats Play Free. Foi por me identificar com o teor e a pertinência dos textos e desabafos que publicou no blog do BPF que me surgiu a ideia de o entrevistar e de assim mostrar também um ponto de vista diferente e genuíno de quem vive a música de forma apaixonada mas com os pés assente na terra. Long Desert Cowboy, Landfill e Oceansea são os seus projectos individuais, mas há mais...
BrainDance: Daniel, como surge a música na tua vida? Quem te incutiu o bichinho?
Daniel Catarino: Comecei a tocar em 1994, quando tinha 11 anos, por simples acaso. Já gostava de música há muito tempo, mas na altura sonhava escritor e não músico. Depois, à medida que fui tocando, comecei a ganhar cada vez mais vontade, e sempre com o intuito de compor o meu próprio material.
BD: Quais são as tuas principais influências e referências?
D.C.:Não me consigo limitar em influências. Talvez no início me colasse ao movimento Grunge e a todas as bandas dessa época, mas actualmente os meus gostos são caóticos, o que faz com que as influências também o sejam. Quando faço música, não estou a pensar em fazer algo desta forma ou da outra, é o que sai que acaba por ficar. A pressão de ter de ser linear não me afecta minimamente.
BD: Se assim se pode dizer, tu és um músico com várias faces, isto é, participas em diversos projectos, alguns dos quais a solo. Fala-me um pouco de cada um desses projectos, das suas origens, das suas diferenças.
D.C.: Comecei com Landfill em 1999 a gravar as primeiras ideias num 4-pistas emprestado. Na altura só escrevia em inglês, e o nome fazia para mim todo o sentido. Um aterro sanitário é um local onde se enterra o lixo para que ele se evapore. Foi com esse nome que gravei todas as minhas demos até 2006, quando editei o “Panorama de uma Vida Normal” na Test Tube. Foi aí que decidi dividir as coisas. Landfill seria para tudo o que fosse em português, Oceansea em inglês, e Long Desert Cowboy seria instrumental. Quanto a Moneymaking Machine, Delay Lama, Uaninauei, Seven Thousand e Sounds of Displacement, são tudo bandas onde se funciona em conjunto, portanto todo o processo é diferente.
BD: De todos esses ‘filhos’, qual é o pródigo? E porquê?
D.C.:Landfill é a origem de todos, mas acho que todos têm a sua validade dentro de cada género. Às vezes gosto mais de um, mas outras sinto que prefiro outro. É consoante a disposição e o género que mais se encaixa em determinado momento. A tal história que muitos referem de não haver filhos preferidos.
BD: A viola e o computador são os teus instrumentos preferenciais? Que método usas para compor? Como materializas as tuas ideias?
D.C.:O computador é usado apenas para registar os instrumentos, por vezes para gravar a batida – e apenas porque não tenho forma de captar bateria, o resto é tudo tocado. Não sou grande adepto da electrónica e respectiva maquinaria como compositor, apenas como ouvinte. Normalmente quando começo a gravar já tenho as ideias bem definidas, depois trabalho apenas os arranjos. Continuo a trabalhar sem grande recurso à tecnologia, o computador é apenas o estúdio e não um instrumento. Talvez se tivesse mais ferramentas mudasse de ideias, mas como gravo usando apenas uma guitarra, um microfone e uma pedaleira, acabo por fazer tudo de forma rudimentar.
BD: Mudando o rumo à conversa, como músico, que interpretação fases do actual momento da chamada ‘indústria musical’?
D.C.:Está em crise, como quase todas as outras indústrias. Eu próprio não compro cd’s há bastante tempo, vou ouvindo apenas o que me aparece por meios alternativos. Gostaria de o fazer, mas não tenho hipótese disso. Penso também que a música está bastante desacreditada em relação a muitas das artes restantes. Os filmes e as músicas são bastantes pirateados, mas, por exemplo, não há o culto de ir a um concerto como de ir ao cinema para uma maioria, e são elas que acabam por definir as tendências, quer se queira ou não. Os músicos fazem o seu trabalho porque gostam e não são recompensados pelas pessoas que os ouvem e apreciam. Acabam por tocar uns para os outros, sem meios de chegar a outros ouvidos, muitos deles explorando conceitos já gastos, em que nem eles próprios acreditam ou se revêem, só porque sim. Há também – e falo pelo que vejo no Alentejo – o estranho fenómeno das bandas de covers, que roubam espaços onde se poderiam tocar coisas novas, que exploram o trabalho que outros criaram, limitando-se a mostrar que o sabem interpretar, sem pagar direitos de autor ou prestar o devido reconhecimento aos criadores daquilo que tocam.
BD: Ao que sei, e até ao momento, apenas editaste em netlabels, porquê? É uma questão de princípio, de oportunidade ou tem um pouco de ambas?
D.C.:Editei em netlabels porque me surgiu essa oportunidade e me pareceu uma boa forma de mostrar a minha música. Na altura da minha primeira edição nem sabia bem o que eram netlabels, não tinha myspace nem qualquer outro meio de divulgação, editei porque sim, porque foi a única alternativa que tive. Fiquei admirado com a atenção que o meu trabalho teve. Embora mínima, foi a suficiente para me incentivar a continuar e melhorar.
BD: O fenómeno do netaudio está a crescer de forma exponencial, da mesma forma que a tecnologia democratiza o acesso a ferramentas de produção musical e facilita a gravação com uma qualidade bastante aceitável. Como vês o futuro próximo das netlabels?
D.C.: Vejo-o como uma pequena empresa que inicia o seu negócio e que só depende de si própria e dos seus empregados para ter um crescimento enorme e dominar o mercado em alguns anos, de forma honesta, consciente e justa para todas as partes envolvidas.
BD: As netlabels na sua maioria são entidades informais mantidas de forma genuína e generosa ainda que em muitos casos transparecendo profissionalismo. Abrem portas a músicos que viram outras fecharem-se ou editam géneros essencialmente experimentais que de outra forma dificilmente seriam divulgadas. Tudo isto sem custos para o ouvinte. Há aqui alguma injustiça, uma vez que nem músicos, nem editoras são directamente recompensados pelo seu trabalho. Que achas disto?
D.C.: Penso que as netlabels são uma forma importante de expressão cultural, e que irão crescer bastante nesse contexto nos próximos anos. Mas ao mesmo tempo que crescem, não podem cometer os mesmos erros de acomodação das editoras convencionais. Têm de se adaptar ao seu crescimento, encontrarem formas de se tornarem auto-suficientes, ajudando simultaneamente os músicos a sustentar o seu trabalho. Porque se não for assim, a qualidade das gravações não irá melhorar, e dessa forma a qualidade das netlabels também não. Falo de acordos publicitários com outras empresas, por exemplo, mas sempre com o princípio da auto-suficiência e não do lucro.
Costumo dizer que não quero que a minha música me dê dinheiro para comer, mas também não quero ter de tirar dinheiro da comida para investir na minha música.
BD: Para além das netlabels, a chamada web2.0 fornece uma série de ferramentas que podem ser muitos úteis a um músico. Falo das redes sociais como o myspace, facebook, jamendo, etc, que possibilitam uma relação directa entre músico e ouvinte. Como vês esta nova realidade? Que uso dás a estas ferramentas?
D.C.: No meu caso são praticamente as únicas ferramentas que uso para mostrar a minha música, para além de algumas cópias que envio para rádios e afins. Mas há sempre o risco de se cair no exagero, se se tentar impingir a música e não mostrá-la. Apenas as rádios, televisões e imprensa têm esse poder de fazer com que as pessoas gostem do que eles querem pela insistência. Na internet há um risco muito grande do ouvinte começar a ter uma posição privilegiada em relação ao criador. Pode chegar a um ponto em que é quase um favor que o ouvinte faz ao ouvir o trabalho de alguém, e quando isso acontece, a música fica sempre a perder – em respeito, dignidade e validade no contexto social. Há que valorizar mais quem gosta mesmo e tentar fazer crescer esse grupo de forma natural, sem desvalorizar o seu próprio trabalho.
BD: Passando para outro plano. Como vês o actual momento da música portuguesa?
D.C: Nunca esteve melhor. Velhos do Restelo sempre os haverá, mas nunca tivemos tanta variedade e qualidade. E esperamos que esteja sempre para melhorar.
BD: Ainda na área da música portuguesa quais os músicos e as bandas que se revelaram nestes anos mais recentes que te enchem as medidas? Porquê?
D.C.: Gosto bastante de Peixe:Avião, Deolinda, Luís Costa, Sean Riley and the Slowriders, Mundo Cão, Noiserv, Walter Benjamin entre muitos outros. Simplesmente pelo facto que fazem música que me apetece ouvir mais que uma vez. Normalmente não disseco os estilos, o formato e as tendências da música, limito-me a seguir aquilo que o meu cérebro me diz.
BD: Para terminar uma daquelas perguntas usuais em entrevistas: com que músico gostarias de gravar em estúdio e/ou tocar em palco? Porquê?
D.C.:Tom Waits, porque é aquele que mais respeito como músico, performer e compositor. Escreve sobre coisas que não são vulgares e consegue tornar essas histórias interessantes, e musicalmente está sempre à procura de novas formas de se inventar. Mais não se pode pedir a um músico – que faça o que gosta, que nos agrade e que continue a surpreender-nos positivamente.
BrainDance: Daniel, como surge a música na tua vida? Quem te incutiu o bichinho?
Daniel Catarino: Comecei a tocar em 1994, quando tinha 11 anos, por simples acaso. Já gostava de música há muito tempo, mas na altura sonhava escritor e não músico. Depois, à medida que fui tocando, comecei a ganhar cada vez mais vontade, e sempre com o intuito de compor o meu próprio material.
BD: Quais são as tuas principais influências e referências?
D.C.:Não me consigo limitar em influências. Talvez no início me colasse ao movimento Grunge e a todas as bandas dessa época, mas actualmente os meus gostos são caóticos, o que faz com que as influências também o sejam. Quando faço música, não estou a pensar em fazer algo desta forma ou da outra, é o que sai que acaba por ficar. A pressão de ter de ser linear não me afecta minimamente.
BD: Se assim se pode dizer, tu és um músico com várias faces, isto é, participas em diversos projectos, alguns dos quais a solo. Fala-me um pouco de cada um desses projectos, das suas origens, das suas diferenças.
D.C.: Comecei com Landfill em 1999 a gravar as primeiras ideias num 4-pistas emprestado. Na altura só escrevia em inglês, e o nome fazia para mim todo o sentido. Um aterro sanitário é um local onde se enterra o lixo para que ele se evapore. Foi com esse nome que gravei todas as minhas demos até 2006, quando editei o “Panorama de uma Vida Normal” na Test Tube. Foi aí que decidi dividir as coisas. Landfill seria para tudo o que fosse em português, Oceansea em inglês, e Long Desert Cowboy seria instrumental. Quanto a Moneymaking Machine, Delay Lama, Uaninauei, Seven Thousand e Sounds of Displacement, são tudo bandas onde se funciona em conjunto, portanto todo o processo é diferente.
BD: De todos esses ‘filhos’, qual é o pródigo? E porquê?
D.C.:Landfill é a origem de todos, mas acho que todos têm a sua validade dentro de cada género. Às vezes gosto mais de um, mas outras sinto que prefiro outro. É consoante a disposição e o género que mais se encaixa em determinado momento. A tal história que muitos referem de não haver filhos preferidos.
BD: A viola e o computador são os teus instrumentos preferenciais? Que método usas para compor? Como materializas as tuas ideias?
D.C.:O computador é usado apenas para registar os instrumentos, por vezes para gravar a batida – e apenas porque não tenho forma de captar bateria, o resto é tudo tocado. Não sou grande adepto da electrónica e respectiva maquinaria como compositor, apenas como ouvinte. Normalmente quando começo a gravar já tenho as ideias bem definidas, depois trabalho apenas os arranjos. Continuo a trabalhar sem grande recurso à tecnologia, o computador é apenas o estúdio e não um instrumento. Talvez se tivesse mais ferramentas mudasse de ideias, mas como gravo usando apenas uma guitarra, um microfone e uma pedaleira, acabo por fazer tudo de forma rudimentar.
BD: Mudando o rumo à conversa, como músico, que interpretação fases do actual momento da chamada ‘indústria musical’?
D.C.:Está em crise, como quase todas as outras indústrias. Eu próprio não compro cd’s há bastante tempo, vou ouvindo apenas o que me aparece por meios alternativos. Gostaria de o fazer, mas não tenho hipótese disso. Penso também que a música está bastante desacreditada em relação a muitas das artes restantes. Os filmes e as músicas são bastantes pirateados, mas, por exemplo, não há o culto de ir a um concerto como de ir ao cinema para uma maioria, e são elas que acabam por definir as tendências, quer se queira ou não. Os músicos fazem o seu trabalho porque gostam e não são recompensados pelas pessoas que os ouvem e apreciam. Acabam por tocar uns para os outros, sem meios de chegar a outros ouvidos, muitos deles explorando conceitos já gastos, em que nem eles próprios acreditam ou se revêem, só porque sim. Há também – e falo pelo que vejo no Alentejo – o estranho fenómeno das bandas de covers, que roubam espaços onde se poderiam tocar coisas novas, que exploram o trabalho que outros criaram, limitando-se a mostrar que o sabem interpretar, sem pagar direitos de autor ou prestar o devido reconhecimento aos criadores daquilo que tocam.
BD: Ao que sei, e até ao momento, apenas editaste em netlabels, porquê? É uma questão de princípio, de oportunidade ou tem um pouco de ambas?
D.C.:Editei em netlabels porque me surgiu essa oportunidade e me pareceu uma boa forma de mostrar a minha música. Na altura da minha primeira edição nem sabia bem o que eram netlabels, não tinha myspace nem qualquer outro meio de divulgação, editei porque sim, porque foi a única alternativa que tive. Fiquei admirado com a atenção que o meu trabalho teve. Embora mínima, foi a suficiente para me incentivar a continuar e melhorar.
BD: O fenómeno do netaudio está a crescer de forma exponencial, da mesma forma que a tecnologia democratiza o acesso a ferramentas de produção musical e facilita a gravação com uma qualidade bastante aceitável. Como vês o futuro próximo das netlabels?
D.C.: Vejo-o como uma pequena empresa que inicia o seu negócio e que só depende de si própria e dos seus empregados para ter um crescimento enorme e dominar o mercado em alguns anos, de forma honesta, consciente e justa para todas as partes envolvidas.
BD: As netlabels na sua maioria são entidades informais mantidas de forma genuína e generosa ainda que em muitos casos transparecendo profissionalismo. Abrem portas a músicos que viram outras fecharem-se ou editam géneros essencialmente experimentais que de outra forma dificilmente seriam divulgadas. Tudo isto sem custos para o ouvinte. Há aqui alguma injustiça, uma vez que nem músicos, nem editoras são directamente recompensados pelo seu trabalho. Que achas disto?
D.C.: Penso que as netlabels são uma forma importante de expressão cultural, e que irão crescer bastante nesse contexto nos próximos anos. Mas ao mesmo tempo que crescem, não podem cometer os mesmos erros de acomodação das editoras convencionais. Têm de se adaptar ao seu crescimento, encontrarem formas de se tornarem auto-suficientes, ajudando simultaneamente os músicos a sustentar o seu trabalho. Porque se não for assim, a qualidade das gravações não irá melhorar, e dessa forma a qualidade das netlabels também não. Falo de acordos publicitários com outras empresas, por exemplo, mas sempre com o princípio da auto-suficiência e não do lucro.
Costumo dizer que não quero que a minha música me dê dinheiro para comer, mas também não quero ter de tirar dinheiro da comida para investir na minha música.
BD: Para além das netlabels, a chamada web2.0 fornece uma série de ferramentas que podem ser muitos úteis a um músico. Falo das redes sociais como o myspace, facebook, jamendo, etc, que possibilitam uma relação directa entre músico e ouvinte. Como vês esta nova realidade? Que uso dás a estas ferramentas?
D.C.: No meu caso são praticamente as únicas ferramentas que uso para mostrar a minha música, para além de algumas cópias que envio para rádios e afins. Mas há sempre o risco de se cair no exagero, se se tentar impingir a música e não mostrá-la. Apenas as rádios, televisões e imprensa têm esse poder de fazer com que as pessoas gostem do que eles querem pela insistência. Na internet há um risco muito grande do ouvinte começar a ter uma posição privilegiada em relação ao criador. Pode chegar a um ponto em que é quase um favor que o ouvinte faz ao ouvir o trabalho de alguém, e quando isso acontece, a música fica sempre a perder – em respeito, dignidade e validade no contexto social. Há que valorizar mais quem gosta mesmo e tentar fazer crescer esse grupo de forma natural, sem desvalorizar o seu próprio trabalho.
BD: Passando para outro plano. Como vês o actual momento da música portuguesa?
D.C: Nunca esteve melhor. Velhos do Restelo sempre os haverá, mas nunca tivemos tanta variedade e qualidade. E esperamos que esteja sempre para melhorar.
BD: Ainda na área da música portuguesa quais os músicos e as bandas que se revelaram nestes anos mais recentes que te enchem as medidas? Porquê?
D.C.: Gosto bastante de Peixe:Avião, Deolinda, Luís Costa, Sean Riley and the Slowriders, Mundo Cão, Noiserv, Walter Benjamin entre muitos outros. Simplesmente pelo facto que fazem música que me apetece ouvir mais que uma vez. Normalmente não disseco os estilos, o formato e as tendências da música, limito-me a seguir aquilo que o meu cérebro me diz.
BD: Para terminar uma daquelas perguntas usuais em entrevistas: com que músico gostarias de gravar em estúdio e/ou tocar em palco? Porquê?
D.C.:Tom Waits, porque é aquele que mais respeito como músico, performer e compositor. Escreve sobre coisas que não são vulgares e consegue tornar essas histórias interessantes, e musicalmente está sempre à procura de novas formas de se inventar. Mais não se pode pedir a um músico – que faça o que gosta, que nos agrade e que continue a surpreender-nos positivamente.
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